quinta-feira, 3 de outubro de 2013

REPORTAGEM sobre CELÍACA

17/08/2009 - 10h44

Mulher leva 35 anos para ter diagnóstico de doença celíaca

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FLÁVIA MANTOVANI
da Folha de S.Paulo
Foram 35 anos convivendo com os mais diversos sintomas, principalmente gastrointestinais. O que a acompanhou por mais tempo foi a anemia: Marilis Maldonado Moraes, 48, teve o problema "a vida inteira". Vivia tomando injeções de ferro e se lembra de ter feito uma transfusão de sangue aos seis anos. Apesar dos tratamentos, a melhora era só temporária.
Aos dez anos, foi diagnosticada com colite crônica. Tomou corticoides, mas os sintomas continuaram. Tinha diarreias repetitivas, falta de apetite e perda de peso. Passou toda a infância e a adolescência assim e não melhorou no início da vida adulta. "Trabalhava na área de marketing de uma multinacional. Sempre que ficava mais nervosa, ia direto para o banheiro, com diarreia", conta.
Marisa Cauduro/Folha Imagem
Marilis Maldonado Moraes, 48, chegou a pesar 32 quilos antes de conseguir o diagnóstico correto, de doença celíaca
Marilis Maldonado Moraes, 48, chegou a pesar 32 quilos antes de conseguir o diagnóstico correto, de doença celíaca
Casou-se, tinha empregada, mas ninguém podia fazer comida em casa -o cheiro a enjoava. Marilis passou a se alimentar das refeições preparadas pela vizinha. "Além de não sentir o cheiro da preparação, era um tempero diferente", lembra.
Foi em 1996, quando ela tinha 35 anos, que a situação saiu do controle. As crises de diarreia ficaram extremamente constantes, ela se debilitou muito e passou a ser internada com frequência. Mas seu problema continuava uma incógnita. "Os médicos me revistaram, pediram um monte de exames e nada. Acharam que era um problema de fundo emocional", conta.
Nessa época, Marilis emagreceu tanto que chegou a pesar 32 quilos -mede 1,61 m. A barriga, no entanto, ficava estufada. No fim do ano, teve que andar, por cerca de um mês, com uma sonda permanentemente acoplada ao seu pescoço para repor os nutrientes que perdia. Uma enfermeira foi contratada por sua empresa para ajudá-la com o procedimento. Também fazia tratamento psiquiátrico contra depressão profunda.
Como Marilis não se alimentava direito, os médicos que a acompanhavam passaram a suspeitar de anorexia nervosa. "Mas eu tinha vontade de comer, só não conseguia fazer isso", lembra ela.
Quando se internou para substituir a sonda, trocou de equipe médica. Foi quando uma gastroenterologista imaginou, pelos sintomas, que ela tivesse doença celíaca. Pediu uma biopsia do intestino delgado, que confirmou a suspeita: seu organismo era intolerante ao glúten, uma proteína encontrada no trigo, na aveia, na cevada, no centeio e no malte.
A solução parecia radical: cortar qualquer resquício de glúten da dieta. Mas a nova alimentação começou já no hospital -e, com um mês, ela tinha ganhado dois quilos. Em seis meses, estava recuperada.
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Pão de queijo e biscoito
Não foi fácil se adaptar à nova dieta. Afinal, Marilis teria que dar adeus, para sempre, a pães, bolos, biscoitos, salgadinhos e cerveja, entre outros alimentos. "Nunca tinha ouvido falar nessa doença. Parece que o mundo acaba, que você não tem opção de nada. Fiquei deprimida, pensei que não poderia mais sair", conta.
As opções de substituição quase não existiam. "Não tinha nada no mercado: só biscoito de polvilho e pão de queijo", diz. Marilis encontrou receitas estrangeiras de pão sem glúten, mas conta que era "um zero à esquerda na cozinha".
Procurou, então, um curso de panificação. "Era tudo com farinha de trigo. Saíam fornadas com aquele cheiro delicioso, os alunos provavam, e eu ficava só olhando." No fim das aulas, desenvolveu, com a professora, uma nova receita de pão sem glúten -parecido com o tradicional, mas menor e mais seco.
Marilis começou a vender o pão informalmente até que, após ser despedida da empresa em que trabalhava, montou um negócio. Hoje, tem dez funcionários e vende diversos produtos: bolos, biscoitos, massa de pizza, salgadinhos, macarrão, alfajor. Para substituir o glúten, usa creme de arroz, fécula de batata e fécula de mandioca.
Quando vai a uma festa, janta antes. Se vai a um coquetel, leva seus salgadinhos e pede para o "maître" esquentá-los. Ruim mesmo é comer lanches na rua. "Aí só tem pão de queijo", diz.
Mesmo não contendo glúten, o alimento, se for feito perto de outros produtos com farinha de trigo, pode se contaminar. E qualquer quantidade de glúten é prejudicial. Marilis já passou mal após comer pão de queijo de padaria e até ao tomar um comprimido de antigripal.
"Mas já me adaptei, e não é tão ruim. Posso comer arroz, feijoada, carne, salada... As pessoas acham que eu não posso comer nada, mas há opções."
Índice
Uma a cada 214 pessoas tem doença celíaca em São Paulo, de acordo com um levantamento feito com 3.000 doadores de sangue; o índice é considerado elevado e é semelhante ao encontrado na Europa, diz a especialista em gastroenterologia pediátrica Vera Lúcia Sdepanian, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

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